Projeto Extraescolar

 

  O Projeto Extraescolar (PEE) é um componente curricular do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural e se apresenta de modo a considerar as epistemologias indígenas e suas matrizes específicas de produção, tendo como referência os sujeitos e coletividade que produzem conhecimentos no contexto de suas particularidades e territorialidades. Sem operar por meio dessa percepção, a ideia de conhecimentos indígenas permanecerá como um conceito apagado, tendo em vista que a modernidade ocidental sempre procurou minar esses conhecimentos de toda forma, privilegiando o modo ocidental de conhecer e de ver como sendo o único capaz de universalidade e, portanto, capaz de definir o futuro do mundo como um todo.

O PEE se afasta, portanto, em perspectiva, em metodologia e em suporte de registro dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), atividades acadêmicas convencionais em outros cursos superiores. Ele possibilita perceber a importância de acolher os conhecimentos locais, culturais e ancestrais como uma forma de libertação das garras da matriz do poder colonial, não mais como conhecimentos presos ao passado, como o colonialismo e a colonialidade os situam, mas como conhecimentos plenamente válidos para compreender e atuar no presente. Esse é o movimento dos/as autores/as destes trabalhos. Nascem deles, paradigmas inovadores para as práticas de educação escolar e de circulação de saberes entre gerações e espaços, de modo a produzir um sistema de conhecimento descolonizado que seja capaz de servir às diversas necessidades dos povos indígenas e, também, de atualização da universidade. 

          Os PEEs contextualizam-se em uma das políticas mais emergenciais que é o papel da educação escolar na valorização das línguas indígenas. Neste sentido, privilegia os usos das línguas indígenas em sua prática, pois as concebe como meios indissociáveis da produção de conhecimentos e como uma das dimensões culturais mais afetadas pela colonialidade. Sobre isso, Mignolo assevera: “as línguas não são apenas fenômenos ‘culturais’ em que as pessoas encontram a sua ‘identidade’; elas também são o lugar onde se inscreve o conhecimento. E, dado que as línguas não são algo que os seres humanos têm, mas algo de que os seres humanos são” (Mignolo, 2003, p. 633).

De acordo com a UNESCO a “[...] a extinção de uma língua significa a perda irrecuperável de saberes únicos, culturais, históricos e ecológicos” (2003, p.02). Hinton (2001), em seus estudos, lembra que há, hoje, no mundo, cerca de 250 nações, onde se falam em torno de 6.000 línguas. Observa-se a desproporção entre o número de países e o de línguas. Isto revela que apenas uma minoria das línguas do mundo pode ser caracterizada como língua de governo, de comércio, de educação, de conhecimento, ou, ainda, de comunicação mais ampla. 

          A globalização dos valores econômicos, sociais e culturais, impulsionada pelo desenvolvimento tecnológico, acaba por impor suas línguas em detrimento das línguas consideradas minorizadas. Em decorrência dessa realidade, e da ameaça de extinção das línguas indígenas brasileiras, o curso de licenciatura em Educação Intercultural da UFG tem buscado construir bases epistêmicas que apontam paradigmas inovadores no campo da educação intercultural crítica; políticas linguísticas de valorização das línguas indígenas na universidade; retomadas de saberes milenares; e a atualização dos espaços culturais epistêmicos (conferir Pimentel da Silva, 2009)

Contudo, existem situações em que os impactos das violências epistêmicas e linguísticas foram mais contundentes. Dessa forma, torna-se necessário reconhecer a diversidade de situações sociolinguísticas de diferentes povos indígenas brasileiros que, por sua vez, se refletem nas experiências de vida de muitos/as estudantes e comunidades que constituem o Curso. Nesses casos, a língua portuguesa passou a ser a língua principal de socialização, produção e transmissão de conhecimentos, bem como também de suporte para a retomada de práticas comunicativas e de aprendizagem das línguas indígenas. 

Logo, o PEE reconhece e legitima também outras configurações comunicativas para produção e registro dos conhecimentos gerados pelos/as professores/as indígenas e suas comunidades, seja no uso da língua portuguesa, seja em experiências híbridas de bilinguajamento (MIGNOLO, 2003) que refletem ou mesmo constituem a experiência de vida no espaço da diferença colonial. De toda forma, o esforço para reativar as línguas indígenas, mesmo que através de recursos linguístico-discursivos pontuais, em práticas contextualizadas nos temas dos projetos, continua sendo uma forte recomendação destas diretrizes.

 

 

Projetos Extraescolares

A escolha do tema do Projeto Extraescolar deve ser feita de acordo com o interesse da comunidade indígena e da escola, de forma problematizadora às situações de cada povo e coletivamente. As pesquisas dos Projetos Extraescolares são feitas nas comunidades indígenas, pois é fundamental o protagonismo não só dos/as professores/as indígenas, mas também de seus/as sábios/as, anciãos e anciãs, e lideranças, além do envolvimento de crianças e jovens nestas experiências. São desenvolvidas, assim, a partir de momentos complementares e de articulações importantes:

  • Orientação feita pelo Comitê Orientador, constituído por professores/as do NTFSI, egressos/as, sábios e sábias indígenas;
  • Pesquisas junto aos/às conhecedores/as das culturas indígenas sobre os temas escolhidos para serem desenvolvidos;
  • Documentação através de registros dos conhecimentos advindos da elaboração dos Projetos Extraescolares, com o objetivo de torná-los disponíveis para toda a comunidade e, principalmente, para possíveis usos na educação escolar, ou seja, como subsídios epistemológicos e para recursos didáticos. Esta documentação deve ser feita, prioritariamente, em línguas indígenas, mas também em outras configurações de práticas comunicativas, a depender da situação sociolinguística da comunidade; 
  • Realização de oficinas, palestras, seminários com a participação de toda a comunidade, eventos nos quais os sábios e as sábias criam contextos de conhecimentos sobre os temas dos pesquisadores e pesquisadoras universitárias, promovendo um espaço de práticas culturais e de vivência dessa sabedoria. Importante, ainda, a construção de movimentos intergeracionais na luta pela proteção do patrimônio cultural, de acesso aos direitos indígenas, à educação própria no encontro dos/as jovens com as pessoas de sabedorias, com os anciãos e as anciãs.

 

Os projetos extraescolares, além de envolver jovens, sábios, lideranças, egressos e egressas, contribuem, com certeza, para ampliar o diálogo entre a universidade e as comunidades indígenas, entre conhecimentos produzidos pelos povos indígenas e os produzidos pela academia, buscando, assim, promover a construção de bases epistêmicas coteóricas necessárias ao planejamento e ao desenvolvimento da educação intercultural específica e diferenciada, levando em conta os processos próprios de aprender, colocados como um direito aos povos indígenas a partir da Constituição de 1988. 

Após os cinco anos de estudos do Curso, os/as universitários/as de cada comitê (individual ou coletivamente) terão de apresentar os resultados dos projetos extraescolares – em formato de livros, dossiês, relatórios, material audiovisual, áudio ou na produção gráfica, questionando inclusive o papel hegemônico da escrita e propondo modos complementares de expressão – a uma banca examinadora, formada pelo menos por dois/duas professores/as do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural, e por representantes indígenas, como requisito parcial para obtenção do título de graduado em Licenciatura Intercultural em Ciências da Natureza, da Cultura ou da Linguagem. 

Os projetos extraescolares e as práticas pedagógicas do estágio são alicerces para a construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) de escolas indígenas. Os estágios e os projetos extraescolares fornecem, além de bases epistêmicas, temas contextuais para a composição das matrizes curriculares do PPP, ou seja, a articulação entre projetos extraescolares e as práticas pedagógicas promove conexão com a pesquisa e com ações de extensão na UFG e nas comunidades indígenas. Além disso, espera-se também que os/as universitários/as apresentem (individualmente ou coletivamente) sugestões de projetos societários para sua comunidade e também para a escola da comunidade. 

 

Observação importante

A orientação individual e coletiva dos alunos é de responsabilidade de cada comitê orientador e deve acontecer conforme a necessidade do aluno, podendo ser requerido por ele ou pelo comitê, nas etapas de estudo na UFG, Terras Indígenas, ou em outro momento. O aluno não participará da formatura sem a conclusão do trabalho do projeto extraescolar.